Aumento do álcool na gasolina: solução ou perigo?

gasolinagasolinaGasolina 1O Senado brasileiro aprovou há poucos dias a lei permitindo o aumento de mais 2,5% de álcool na gasolina. Após o aumento em 2013 que elevou o limite do anterior 20% para o atual 25%, os carros terão de se ajustar ao novo limite de 27,5%. Há de se lembrar que existe a tolerância legal de 2,5% nas variações máximas e mínimas, o que faz com que os carros mais antigos, feitos em épocas quando o percentual do álcool na gasolina era bem menor, terão de rodar com até 30% de etanol em seus tanques.

Desta vez, e pela primeira vez que me lembre, a ANFAVEA criticou a medida abertamente. O presidente dessa entidade, Luiz Moan, disse que o governo consultou a entidade e assim, encomendaram um estudo. Declarou Moan que esse estudo trouxe alguns resultados alarmantes:

“Nossos engenheiros apontam um aumento de 20% na emissão de aldeídos e de 75% na de NOx. Estamos muito preocupados, pois isso vai reduzir o nível de satisfação do cliente e será negativo para o meio ambiente.”

Além disso, Luiz Moan destacou que apesar de a medida não afetar mecanicamente os carros flex, os carros a gasolina, que são 38% da frota circulante deste país, estimada em 14,4 milhões de veículos, terão problemas em seus sistemas de ignição, problemas de corrosão nas partes metálicas que entram contato com o combustível e as partes plásticas também sofrerão os efeitos e, assim, deverão ter menor durabilidade. Finalmente, de acordo com o presidente da ANFAVEA, mesmo os carros flex pagarão a conta já que o consumo global para todos os tipos de veículos, deverá aumentar entre 2,5 e 3%.

Buscando algum tipo de confirmação para isso, liguei para meu mecânico particular. Ele esfregou as mãos ao saber da notícia e disse que os carros a gasolina terão toda sorte de problemas em seus motores, pois mais etanol afetará as partes metálicas. As pessoas terão de trocar as velas precocemente, as bombas, especialmente as elétricas, deverão falhar com muito mais frequência e os escapamentos furarão pela corrosão e novos deverão ser comprados.

Quanto aos carros flex, ele disse que quanto mais novo, melhor, mas mesmo assim, alguns poderão apresentar problemas. De acordo com o que ele me disse, mesmo sendo mais resistentes à corrosão, problemas na ignição e detonação podem ser mais comuns já que seriam mais comuns em carros que usam álcool. No entanto, ele destacou que, no geral, carros que usam álcool apresentam menos problemas de formação de borra no motor já que o combustível feito da cana é queimado de forma mais eficiente. Pedi-lhe sua recomendação e ele disse simplesmente, “Gasolina sempre”.

Engenheiros e acadêmicos mais afamados não compartilham dessa opinião. Renato Romio, chefe da Divisão de Motores e Veículos do Centro de Pesquisas do respeitado Instituto Mauá de Tecnologia, afirmou que certamente os carros flex são capazes de lidar com o aumento do álcool na gasolina sem nenhum incidente. Para os carros a gasolina, a situação não é tão clara. De acordo com o engenheiro, há tolerâncias na construção dos carros brasileiros para acomodação de diversos percentuais de etanol na gasolina, mas que isso tem variado ao longo do tempo. Ele revela que, “grosso modo, não vejo problemas”, mas reconhece que os carros feitos nos 90, com injeção eletrônica, poderão apresentar alguns problemas de funcionamento e poluir mais por ter problemas no controle de emissões, mas isso não é certo.

Francisco Nigro, considerado um dos pais do carro a álcool e hoje professor da renomada Escola Politécnica da USP, mostra-se ainda mais confiante na capacidade de mesmo os carros a gasolina funcionarem bem mesmo com o aumento do percentual. Declara que, mesmo sendo que o consumidor está levando menos energia com sua compra, isso representará um decréscimo de apenas 1% e que não haverá desgaste dos motores, “As montadoras fazem material para ser resistente ao etanol e fazemos isso há muito tempo. A diferença é pequena e os motores se ajeitam. O gasto é quase imperceptível.”

Fazendo coro às palavras dos peritos, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar – UNICA, que congrega empresas do setor sucro-alcooleiro e propôs a medida ao Ministério da Agricultura m abril de 2014, é, claro, totalmente a favor. Sua presidente, Elizabeth Farina, tratando de arregimentar simpatia para sua causa, apelou para a carteira dos consumidores, “Qualquer aumento na mistura de etanol na gasolina significa a substituição de um componente, a gasolina pura que na refinaria custa R$2,40 o litro, por outro, o etanol anidro vendido pelo produtor por cerca de R$1,50. Essa diferença permite, potencialmente, algum recuo no preço final da gasolina na bomba.”

Segundo a presidente da UNICA, aumentar o percentual de álcool para 27,5% é uma questão de coerência já que o governo vem controlando e achatando o preço da gasolina na refinaria, e isso tem provocado enormes perdas e trazido dificuldades ao setor sucro-alcooleiro. O aumento na mistura também seria benéfico para a Petrobrás, pois a manutenção do preço abaixo daqueles de produção ou importação, tem levado a uma explosão no consumo de gasolina. Mais álcool na gasolina não só ajudaria a Petrobrás a manter o controle sobre suas finanças, como também, sempre de acordo com a presidente da ÚNICA, seria muito bom para o Brasil já que ajudaria a manter a balança de pagamentos do país no azul ao eliminar a necessidade de gastar reservas com a importação de gasolina.

A UNICA afirma que as vantagens em termos de meio ambiente do etanol sobre a gasolina são “amplamente conhecidas e profundas”. Aponta para um estudo da USP que mostra que a melhoria da qualidade do ar obtida com o uso mais intensivo do etanol leva a menos internações por doenças respiratórias e cardiovasculares, óbitos e custos para a saúde pública. Além disso, usar mais o álcool reduziria em até 90% a emissão dos gases causadores das mudanças climáticas. A UNICA cita até mesmo a agência ambiental americana, a EPA, na defesa do seu ponto de vista. De acordo com a UNICA, a EPA classifica a produção de etanol brasileiro como ”avançada” e que a produção brasileira é a única feita em larga escala a alcançar tal classificação em todo o mundo.

A UNICA contesta os números da ANFAVEA e dispõe de seus próprios cálculos. Segundo a entidade, a emissão de aldeídos aumentaria só 15% e a de NOx 20%. Argumentam ainda que quaisquer danos advindos disso, é contrabalançado pelo fato de que os carros, ao queimarem mais etanol e menos gasolina, produzem muito menos outros poluentes, como óxidos de enxofre e hidrocarbonetos cancerígenos como o benzeno, que decai em direta proporção ao aumento do uso de álcool, além da redução na emissão de gases carbônicos, monóxidos de carbono, diferentes hidrocarbonetos orgânicos e partículas finas. Por fim, a UNICA afirma que o aumento do consumo seria de apenas 1%.

Quanto ao governo, o patrocinador oficial da medida, o Ministério da Agricultura, defende a necessidade de balancear a produção e o consumo do etanol, além da premência de continuar incentivando o setor sucro-alcooleiro por diversas razões, entre as quais a criação de tecnologia e empregos, e a proteção ao meio ambiente. É claro, há quem defenda que os interesses do governo são outros, como, por exemplo, o controle da inflação, ainda mais em ano eleitoral.

Dependente agora apenas de regulamentação pelo Ministério de Minas e Energia, nós logo estaremos usando mais etanol em nossos carros. Presos entre os fluxos e os contrafluxos dos jogos milionários das mais poderosas figuras da sociedade, os consumidores se sentem inseguros e desamparados, jogados para lá e para cá, ao sabor das ondas, numa praia suja.

Fonte: Marcelo Vasconcellos/Notícias Automotivas

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